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Opinião

 

Arquitectura: um topo de gama pelo preço de um utilitário..?

12 de janeiro de 2018

Pediram-me para escrever sobre o estado actual da Arquitectura Portuguesa.

Depois do reconhecimento público trazido pela EXPO98, e por inúmeros prémios internacionais, a crise afundou os gabinetes de arquitectura, condenados a uma luta pela sobrevivência. 

Agora, que dizem ter terminado o período de austeridade, nada será como dantes...A nível da concepção dos projectos, mais eficazes, mais viáveis economicamente, mais orientados para um público-alvo. A nível das estruturas produtivas, onde é necessário gabinetes fortes, resilientes, com capacidade de evoluir e se adaptar, com estruturas estáveis, recursos humanos qualificados e capacidade de inovação.

Todavia estes anos criaram vícios, que urge corrigir, sob pena de estagnação, a nível técnico e económico.

Criou-se um hábito pseudo-provinciano de fazer concursos de ideias por tudo e por nada. Como se a arquitectura fosse uma doença que necessitasse de uma segunda opinião. Ainda se fossem remunerados, compensaria o esforço. Agora menorizar os Arquitectos a ponto de terem de trabalhar gratuitamente para satisfazer caprichos de clientes, que ou por não saberem bem o que querem, ou por não confiarem no resultado, pretendem ter projectos para escolha, como se estivessem esposais em prateleiras de supermercado, é desvalorizar a profissão. É transformar o seu interesse público num negócio de risco. 

Se pensarmos que a taxa de sucesso em concursos ronda os 10 a 20%, entende-se facilmente que é uma opção suicida do ponto de vista económico. Que outra profissão se sujeita a isto? Em nome das regras de mercado..."Os seus colegas aceitam"..."Queremos seleccionar o melhor projecto"..."se quiserem ganhar o projecto têm de arriscar"...

A escolha de um arquitecto deve ser baseada numa relação de confiança, tal como a escolha de um médico. Alguém se lembrou de pedir gratuitamente a um grupo de médicos qual o melhor diagnóstico e qual a melhor solução para uma doença?

Daí entender que os concursos de ideias devem ser justamente remunerados. Quem quiser ter várias ideias para um projecto terá de as pagar aos vários concorrentes.

Claro que em casos especiais de relevância para o ambiente e para o contexto histórico-cultural os concursos de ideias são factor de elevação da qualidade das soluções. Porém a sua banalização está a destruir a capacidade financeira das empresas de aquitectura. 

Outra questão candente é o aviltamento dos preços. Por um lado, exige-se disponibilidade, competência, responsabilidade. Exigem-se novas tecnologias, a pré-visualização do projecto, etc.

Por outro procura-se o preço mais barato. Alguém quer comprar um carro topo de gama pelo preço de um utilitário? São coisas comparáveis?

Mas, para estar na crista da onda, é necessário investir em conhecimento, tecnologia, recursos humanos. Numa estrutura empresarial sólida e responsável. Ora isto é incompatível com a busca quase exclusiva do preço mais baixo, como critério de contratação. É a afirmação do País através dos baixos salários. É a condenação de uma actividade com projecção internacional.

Quanto temos 2 prémios Pritzker, quando somos respeitados no estrangeiro, porque é que aqui no burgo se continua a menorizar a qualidade da arquitectura portuguesa?

Esta projecção internacional, conduz a possibilidade de exportação da Arquitectura enquanto serviços, com o natural reflexo na balança de pagamentos. Todavia existe uma falta total de apoio à esta fileira, por parte do Estado, seja pela deficiente formatação dos Fundos estruturais, seja pela falta de apoio na capitalização das empresas, na prospecção de negócios, seja pela manutenção de custos de contexto, como garantias bancárias, seja pela ausência de incentivos à criação de postos de trabalho vocacionadas para este tipo de exportação. 

Por outro lado, os gabinetes existentes, ainda que organizados de forma empresarial não dispõe de massa crítica para poderem estar presentes e competir nestes mercados.

A criação de redes inteligentes de partilha de conhecimento, a capacidade de realizar associações e parcerias, a abordagem conjunta de mercados, são apostas a considerar para o desenvolvimento de actividade internacional.

Finalmente nota-se que, ao contrário das promotoras e construtoras de outros países com sucesso neste campo, os agentes nacionais não privilegiam levar a reboque os gabinetes portugueses para outras paragens, preferindo duvidosas contratações locais, mais "baratas".

Corremos, assim, o risco de matar mais uma galinha de ovos de ouro.

 

Nuno Leónidas

Arquitecto

*Artigo publicado no Jornal Económico no âmbito da parceria com o Diário Imobiliário