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Arrendamento

 

Senhorios e inquilinos outra vez em ‘pé de guerra’

18 de junho de 2017

As alterações na legislação ao Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU) entraram em vigor na última quinta-feira. Os senhorios contestam e os inquilinos aplaudem.

A prorrogação por oito anos do período transitório de actualização das rendas antigas, segundo um diploma publicado no Diário da República, uma medida que tem provocado polémica no mercado imobiliário. António Machado, secretário geral da Associação dos Inquilinos Lisbonenses (AIL), revela que esta alteração já tem pouca expressão no mercado de arrendamento. “Neste momento, existem cerca de 150 mil contratos de arrendamento celebrados antes de 1990, entre habitação e comercial, o que se traduz numa influência mínima no mercado. Trata-se de uma medida para assegurar que se evite um conjunto de despejos que aconteceria se o período não fosse alargado. “Em 2011 existiam cerca de 255 mil contratos de arrendamento celebrados antes de 1990, um número que diminuiu para metade em apenas cinco anos. Isto significa que irão continuar a diminuir nos próximos anos. Adia-se o problema para mais tarde e talvez daqui a cinco anos já existam cerca de 50 mil contratos. Esta polémica em volta do tema é pura demagogia e não tem qualquer relevância”, explica o responsável.

António Machado, refere ainda que esta medida pode ter um duplo sentido, sendo que desta forma evita-se o subsídio de renda. O Governo tem assim menos despesa com atribuição de apoio ao arrendamento.

Já Menezes Leitão, presidente da Associação Lisbonense de Proprietários (ALP), admite que a associação já instaurou acções nos tribunais portugueses com base no congelamento das rendas, esperando levar esta questão ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, considerando que estas medidas são uma verdadeira expropriação, não podendo por isso ser praticadas sem uma justa indemnização. O responsável assegura mesmo que uma prorrogação de um prazo contratual por oito anos é uma violência, indigna de um Estado de Direito democrático, sendo verdadeiramente chocante que os órgãos de soberania portugueses tenham praticado esta arbitrariedade. Menezes Leitão, acredita que esta medida vai ter grande impacto no mercado imobiliário, reduzindo ainda mais a oferta de arrendamento. “Efectivamente o mercado de arrendamento sofre uma crise de confiança em virtude de décadas de congelamento de rendas, tendo havido alguma recuperação da confiança com a lei de 2012, que anunciou o fim definitivo desse congelamento. Tendo agora sido efectuada uma profunda reversão da reforma, haverá muitos proprietários que perderão confiança neste mercado, que se viu estar sempre sujeito a sucessivas intervenções estatais”, salienta.

Esta medida pode colocar em causa a segurança e a confiança dos investidores

Reis Campos, presidente da Confederação Portuguesa da Construção e Imobiliário - CPCI, partilha da mesma opinião, “esta medida pode colocar em causa a segurança e a confiança dos investidores que, sobretudo neste momento, é essencial preservar”. Numa altura em que o mercado imobiliário atravessa um bom momento e o interesse de investidores nacionais e estrangeiros continua a ser a nota dominante, sobretudo em domínios estratégicos como a Reabilitação Urbana, Reis Campos teme que qualquer alteração legislativa pode transmitir ao mercado sinais errados. “Independentemente dos objectivos que, em concreto, se pretendem alcançar – que não coloco em causa –, as alterações à lei não podem servir de pretexto para discussões entre senhorios e inquilinos, que apenas servem para adiar e travar decisões de investimento”, alerta.

O presidente da CPCI, admite mesmo que mais do que pensar nos efeitos desta Lei, o problema é que continuamos a legislar de uma forma avulsa, sem enfrentar os verdadeiros problemas.  Na sua opinião, o país não pode continuar a ignorar a necessidade de uma política integrada, de médio e longo prazo, para a habitação e todo o mercado imobiliário. “Também não nos podemos esquecer que, em Portugal, ao longo dos anos, a habitação social esteve praticamente arredada do discurso político. E, na verdade, persiste um problema social de extrema gravidade. Em Portugal, há uma habitação social para cada 16 portugueses em risco de pobreza. 11% dos alojamentos habitacionais ocupados como residência habitacional estão em situação de sobrelotação. Ou seja, 468 mil famílias vivem nestas condições”, esclarece.

Reis Campos, lembra ainda que o mercado de arrendamento está longe de se considerar consolidado. Na última década, em que se assistiu a uma forte redução da construção nova e, simultaneamente, a um quase desaparecimento do crédito imobiliário, inexplicavelmente o arrendamento regista um recuo. “Em Portugal, o peso deste mercado desceu dos 20,8% registados em 2001, para 19,4% em 2011”, refere.

Novo compasso de espera de mais oito anos 

Mariana Vilaça Fernandes, advogada Associada da TELLES, esclarece que na nova medida é criado um novo compasso de espera de mais oito anos relativamente ao prazo fixado com a lei de 2012. Os senhorios serão agora obrigados a colocar em standby ou mesmo a alterar quaisquer projectos de reabilitação e de rentabilização do seu património que entretanto tenham desenvolvido ou projectado a perspectiva de por fim à generalidade dos contratos que se arrastam há várias décadas.

“Esta nova lei trará certamente consequências relativamente a muitos projectos e operações imobiliárias que entretanto foram concretizadas com a confiança de que a ‘vida’ destes arrendamentos terminaria a curto prazo, que agora terão que ser ajustadas. Haverá uma quebra da dinâmica que foi criada no mercado arrendamento com a lei de 2012 que, nestes últimos anos, permitiu o crescimento deste mercado, com inevitáveis consequências no sector da reabilitação urbana”, admite a advogada