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Maria Ana Vasco Costa dá nova vida à Azulejaria

28 de fevereiro de 2018

A portuguesa Maria Ana Vasco Costa foi a grande vencedora nos “Surface Design Awards" – o mais reputado prémio mundial no domínio da azulejaria, cuja gala ocorreu recentemente em Londres. Três fachadas de edifícios em Lisboa cobertas por azulejos seus foram distinguidas com os Prémios de Design de Superfícies. O Diário Imobiliário foi ouvi-la.

 

Conte-nos: sendo arquitecta, e depois de ter passado 4 anos em londres após a sua licenciatura nuns quantos bons ateliers, como chegou à cerâmica e à azulejaria?

A experiência como arquitecta foi importante para compreender como a relação com os materiais me suscita interesse.

Foi a insatisfação que senti com a profissão – em parte porque passava demasiado tempo ao computador e as obras demoravam muito tempo a ser concretizadas - que me levou a procurar outros caminhos.

Inicialmente tinha em vista inscrever-me na Faculdade de Belas Artes, mas ao frequentar um curso no Ar.Co acabei por tropeçar no departamento de cerâmica no qual acabei por ficar até hoje…

 

Não obstante, a riquíssima história e o valioso espólio azulejar português dos XVI, XVII, e XVII, a cerâmica e o azulejo foram perdendo cidadania… E, talvez, os muitos maus exemplos de aplicação de azulejos na fachada de muitas moradias e prédios, um pouco por todo o país tenham, de certo modo, proscrito esse material das novas construções. Como avalia toda esta evolução?

É possível que os maus exemplos tenham desviado algum caminho, mas na minha opinião - e pelo que tenho observado nas fábricas por onde tenho passado - o problema foi o da indústria ter de certo modo tomado um caminho de respostas fidedignas e com pouca margem para o erro.

O que quero dizer com isto: é que houve uma tentativa de oferecer produtos com maior “qualidade” a nível técnico, mas que muitas vezes sacrificava as suas potencialidades estéticas.

Podemos observar isto por exemplo no trabalho dos vidrados, nos edifícios recentes onde têm sido aplicados azulejos onde há permanência da cor no caso do azulejo sem qualquer tipo de variação.

Por vezes essa variação até é forçada, seja através de utilização de diferentes cores de vidrado nos diferentes azulejos seja por uma simulação dos defeitos artesanais através de processos mecânicos que em nada se assemelham com os processos manuais.

Enfim, acredito que tudo isto é cíclico. Felizmente foram mantidas nalgumas fábricas a técnica e a sabedoria de antigamente para eu agora poder aprender e trabalhar com esses valores.

 

Acha que há boa oferta em termos de formação dessa nossa arte centenária…?

Formação acho que sim, sensibilidade ao material com que estamos a trabalhar, encontro menos.

Julgo que a formação no geral é muito técnica, faltando uma vertente mais artística ou plástica que acaba por levar as coisas para outros campos.

Eu encontrei isso no Ar.Co e por isso é uma escola tão especial.

 

A Arquitectura… e a opção pela Cerâmica

 

O ambiente que conheceu no interior da sua família influenciou as suas escolhas e opções?

Influenciou até a escolha inicial da profissão como Arquitecta, influenciou muito. Depois disso teve de haver de certa forma uma separação, tal era a minha necessidade de descobrir o meu próprio caminho.

Quando fui fazer cerâmica aos 28 anos - que ainda não estava na moda como está hoje - foi uma decisão que deixou as pessoas que me rodeavam, família e amigos, algo incrédulos.

Hoje, já todos percebem que de facto eu tinha mesmo de fazer isto para sobreviver, tal é a necessidade e inquietação que tenho para desenvolver este tipo de trabalho.

 

Em que é que a sua arte procura inovar e oferecer respostas à contemporaneidade na arquitectura e na construção?

Confesso que em primeiro lugar o meu trabalho pretende responder a questões e inquietações pessoais. As intervenções procuram oferecer respostas relacionadas com a ideia de padrão, a relação entre as peças; a relação dos edifícios/superfícies com a rua ou com o observador; o potencial dos efeitos de luz/sombra e variações de cor; a relação do material cerâmico com o nosso corpo etc. etc.

Em segundo lugar, eu não percebia porque é que com tão bons exemplos que temos na nossa história de paredes relevadas (Casa dos Bicos, Palácio da Pena, Nery), não se vê desenvolvida mais a fundo essa temática.

Procurando respostas fui orientando o meu trabalho neste sentido e aos poucos ganhei confiança enquanto surgiram projectos para poder pôr em prática as minhas ideias de padrão na forma de azulejos.

 

O reconhecimento internacional e a Viúva Lamego…

 

Os recentes prémios que conquistou nos “Surface Design Awards", em Londres, vieram abrir-lhe um mercado internacional até agora distante? Como vêm os “estrangeiros”, os grandes arquitectos e ateliers internacionais, a cerâmica e a azulejaria aplicada aos seus trabalhos. Esta «mania» pelos azulejos não é, com certeza, só portuguesa…

Ainda não percebi bem qual a leitura que fazem do meu trabalho. Confesso que eu própria me apercebi que a cerâmica estava a ser utilizada por muitos Ateliers mas, na minha opinião, por mais que as formas fossem altamente inovadoras faltava qualquer coisa. A meu ver relaciona-se com a qualidade do vidrado.

Voltamos à questão base dos caminhos que a indústria escolheu. As fábricas que inovavam oferecendo condições aos arquitectos para trabalhar, não ofereciam, a meu ver, um tipo de vidrado que a mim faz mais sentido.

Assim, achei que como ceramista, tinha encontrado um potencial grande de poder fazer uma ponte entre a indústria e os ateliers de arquitectura – tendo em conta estas qualidades do material.

Ainda hoje, tenho muito trabalho dentro das fábricas para conseguir desenvolver as minhas cores com as características que sinto importantes, pois essas não significam que tudo seja constante e igualam o resultado por sua vez mais seguro. Mas aos poucos tenho feito algumas conquistas tanto nas formas como no acabamento, que têm chamado a atenção deste júri internacional.

 

Desde 2017, passou a ser artista residente na Fábrica de Cerâmica da Viúva Lamego. É importante para si estar associada a uma fábrica mais que centenária e com tanta história e reputação? É fundamental estar perto da produção? O que poderá vir a resultar dessa estreita parceria?

Para mim não só é importante estar numa fábrica como a Viúva Lamego como é essencial. Nas fábricas com quem tenho desenvolvido projectos, sempre pus como condição poder utilizar os seus fornos para o desenvolvimento de outros trabalhos/esculturas que são parte também essencial do meu corpo de trabalho. Só consegui que aceitassem esta condição na pequena Olaria do João Coelho, na Moitalina, que era a 1h30 de minha casa, o que tornava o processo mais lento e complicado.

Para mim é fundamental estar próxima da produção e faz sentido que neste momento a Viúva Lamego me tenha feito este convite. É um feliz encontro onde se tudo correr bem só trará coisas boas para ambos.

Estou muito expectante para ver os resultados desta parceria a longo prazo, mas pelo que tenho constatado nestes meses o caminho será poder criar mais e melhor, e chegar a lugares que nem eu conheço ainda.

 

O seu trabalho será sempre um «fato feito por medida» ou antevê que ele possa ganhar a dimensão da grande produção industrial?

Às vezes penso nisso, no entanto não é o caminho que farei agora.

Sinto que estou numa fase de muita turbulência criativa e quero aproveitar para criar coisas novas constantemente. Um dia mais tarde se me apetecer utilizar alguns dos meus desenhos para produzir a maior escala poderei fazê-lo se as condições certas surgirem, mas não é agora o momento.

 

Sente-se desacompanhada no meio ceramista e azulejar ou existem velhos e novos valores a despontar? Como avalia o que deverá ser este “metier” no nosso país? Do lado da «produção» há resposta qualificada e profissional ou foi-se perdendo «o saber fazer» dos antigos que desapareceram ao longo dos tempos?

Sinto  que Portugal é dos países com mais “metier” e que ainda existem pessoas cheias de conhecimento que deveria ser aproveitado, transmitido, valorizado.

No meu caso, tem sido um desafio conseguir pôr as fábricas a fazer as coisas da maneira que eu entendo que devem ser feitas – quebrando alguns processos demasiados rígidos e estabelecidos.

A Viúva Lamego é uma excepção, pois sempre valorizou e tem muito experiência em trabalhar com artistas, preservando as técnicas e sabedoria tradicionais.