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Morreu o arquitecto Hestnes Ferreira

12 de fevereiro de 2018

O arquiteto Raul Hestnes Ferreira, que morreu no domingo, em Lisboa, gostava de destacar a importância do seu contacto com o exterior e o trabalho em atelier, "desde muito cedo", ainda nos anos de formação, como determinantes do seu percurso.

"O percurso de Raul Hestnes Ferreira é um percurso solitário e de serena independência, em que cada obra é um acontecimento imprevisível a promover, antes de mais, a sua própria razão de ser, universal e única", disse o arquitecto Alexandre Alves Costa, em 2007, quando da atribuição do doutoramento Honoris Causa, da Universidade de Coimbra, a Hestnes Ferreira.

Nascido em Lisboa, em 1931, formado em Arquitectura pela Escola Superior de Belas Artes do Porto, depois de um primeiro ano em Lisboa, a que se sucederam anos de formação em Helsínquia, na Finlândia, e nos Estados Unidos, nas universidades de Yale e da Pensilvânia, Raul Hestnes Ferreira atribui a opção inicial pela arquitectura a Francisco Keil do Amaral, pioneiro da moderna arquitectura em Portugal.

 

Louis Kahn, um arquitecto que o influenciou profundamente

 

"Fui muito influenciado pela personalidade do arquitecto Keil do Amaral. O meu pai [o escritor José Gomes Ferreira] convivia muito com artistas plásticos. Manuel Ribeiro de Pavia, a pintora Maria Keil... Os meus padrinhos foram [os pintores e ilustradores] Bernardo e Ofélia Marques. Fui criado nas artes, e gostava muito de desenhar. Aos 15, 16 anos, acabei por enveredar pela arquitectura, e não estou nada arrependido", disse numa entrevista ao Centro de Investigação de Tecnologias Interactivas, da Faculdade de Ciências Sociais Humanas da Universidade de Lisboa.

Os arquitectos Fernando Távora, seu professor no Porto, e Aalvar Alto, na Finlândia, foram também recorrentemente citados por Hestnes Ferreira como referências, assim como o trabalho inicial nos ateliers de João Andresen, durante o projecto de recuperação do Promontório de Sagres, e de Arménio Losa e Cassiano Barbosa, no Porto. Mas foi o norte-americano Louis Kahn, autor do Salk Institute, em Filadélfia, com quem trabalhou de 1963 e 1965, quem mais o influenciou.

A Casa da Cultura de Beja, concluído no final da década de 1970, é um dos edifícios mais emblemáticos de Hestnes Ferreira.

Ainda durante o curso, deixou o seu nome associado a um conjunto de moradias na Praia da Luz, no Algarve, ao desenho da Casa de Albarraque, que concebeu para seu pai, em Cascais. Foi também um dos mais novos nomes ligados ao projecto de edifícios habitacionais de Olivais Sul, na capital portuguesa.

Da maturidade vêm projectos como a Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa e o novo edifício do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE) da Universidade de Lisboa, que lhe valeu, em 2002, o Prémio Valmor Municipal de Arquitectura.

Na área habitacional, destacam-se os projectos do bairro das Fonsecas e Calçada, em Alvalade, das cooperativas Unidade do Povo e 25 de abril, as casas geminadas em Queijas (Oeiras), o bairro da cooperativa "Lar para todos", em Beja.

Assinou a renovação do café Martinho da Arcada, em Lisboa, e a do Museu Nacional Frei Manuel do Cenáculo, em Évora.

Colaborou com as câmaras municipais de Almada, Lisboa e Beja e com a Direcção-Geral das Construções Escolares, e projectou a Escola Secundária José Gomes Ferreira, em Benfica.

A biblioteca de Marvila, foi o derradeiro projecto que concretizou.

Foi professor catedrático do Departamento de Arquitectura da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC), de 1990 a 2003 (onde recebeu o doutoramento honoris causa em 2007), no ISCTE, entre 2001 e 2003, tendo também leccionado no Departamento de Arquitectura da Universidade Lusófona, como Professor Catedrático.

Para o professor catedrático da FCTUC Alexandre Alves Costa, Raul José Hestnes Ferreira era "uma espécie de consciência moral" da arquitectura. "A solidez da sua figura e da sua obra nunca foi limite para a afirmação permanente de uma assumida 'artisticidade'", afirmou.

No curso de Arquitectura e na UC, Hestnes Ferreira "deu as suas provas maiores de competência didáctica e profissional, dedicação e generosidade, que transformaram a sua presença de cerca de 12 anos numa referência essencial e estrutural do actual Departamento que o tem como um dos seus fundadores, e garantia de excelência da sua aprendizagem", sublinhou aquele professor da FCTUC.

Hestnes Ferreira era membro honorário da Ordem dos Arquitectos (2010), foi Medalha de Mérito da Universidade de Lisboa (2011) e recebeu também o Diploma de Reconhecimento e Mérito da Universidade Lusófona (2014).

"Muito orgulhoso" da obra literária de seu pai, José Gomes Ferreira, confessou, na entrevista ao Centro de Investigação de Tecnologias, sentir muito da natureza do escritor, em si e no seu percurso. "Mesmo na arquitectura, sinto-me influenciado por ele", afirmou.

Raul Hestnes Ferreira era pai do actor Pedro Hestnes (1962-2011).

Lusa/DI