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Os investidores e os negócios de milhões

17 de setembro de 2020

Dependendo da agência onde estamos e, acima de tudo, com quem nos relacionamos, mais cedo ou mais tarde nesta nossa vida imobiliária surge a oportunidade de arranjarmos investidores. Ou, se temos uma rede de confiança montada, conseguimos ter acesso a oportunidades de seis dígitos onde as comissões de uma venda dão, como se diz na gíria, para fazer o ano.

O que acima descrevi é a situação perfeita ambicionada por todos nós e são poucos os que conseguem lá chegar ou mesmo fazer disto vida. Na maior parte dos casos, ficamos pelo meio termo de uma situação que, embora possa acontecer, demora o seu tempo (meses ou mesmo anos) com variáveis que não conseguimos controlar. Claro que, quando se faz negócio, mesmo que tenha passado algum tempo, sabe sempre bem vermos o nosso esforço recompensado.

O meu ponto, com estas linhas, não é o de desmoralizar quem segue por este caminho, mas alertar para os possíveis riscos do mesmo, até porque, como referi, são processos que demoram tempo e que, por terem em cima da mesa muito dinheiro, acabam igualmente por envolver potenciais riscos e chatices onde nem tudo pode correr bem.

Por isso, a primeira coisa a garantir (e incutir) neste tipo de negócios é a confiança. Confiança em nós próprios e nos nossos parceiros, mas também confiança nos investidores, quem os representa e quem tem o(s) produto(s) que estes querem comprar.

A confiança, em muitos casos, tem que vir reforçada com registo de clientes, NDA´s e acordos de parceria e confidencialidade, mas, como também sabemos, para chegarmos a essa fase quer dizer que já criámos algum tipo de relação com quem estamos a negociar, o que nos permite ver alguma luz ao fundo do túnel. É nesta fase, por exemplo, que o cliente investidor já pré-seleccionou o que lhe pode interessar e quer saber mais detalhes. É também aqui que, quem tem o produto para venda quer saber se, do lado do investidor, “he puts the money where the mouth is”.  Mas esta é também a etapa das descobertas, como eu costumo dizer.

É a fase em que podemos descobrir que, afinal, o cliente investidor não é representado pelo nosso interlocutor, mas por terceiros (o “amigo do amigo”), em que o budget para o investimento não é de várias dezenas de milhões, mas de alguns milhares, ou que o nosso contacto, que nem sequer licença AMI tem, não fica satisfeito com a partilha do negócio nos moldes que foram definidos e quer mudar a regra do jogo, obviamente a seu favor e a desfavor dos restantes.

É também nesta fase que podemos descobrir que o produto que nos foi apresentado e que tinha os yields pedidos, não passa numa análise mais apurada à mera folha de Excel ou à apresentação com fotos fantásticas do PowerPoint. Ou que descobrimos que o nosso contacto não tem o activo directo, mas afinal tem inúmeros parceiros com quem se comprometeu (ou se foram comprometendo). E, claro está, os 10 milhões de euros pedidos pelo proprietário transformam-se rapidamente em 15 ou 20 milhões de euros porque, por cada elo da cadeia, aumenta-se, por hipótese, um milhão. Falando de cadeia, convém igualmente recordar que, se existirem suspeitas de que se está a pagar a mais por um activo que não vale o valor que se diz que se vale (ou se se esconde o valor real da escritura), arriscamo-nos a não comprar o Rossio, mas a ir directamente para a cadeia. Vistos gold vendidos em overpricingrings a bell?

O que me leva ao ponto seguinte. Em negócios de milhões, não vale a pena termos a sanha de achar que vamos ter a comissão total do negócio ou que vamos ser mais espertos do que todos os outros parceiros que estão connosco. Por isso, o meu conselho/sugestão é, para além da confiança nos intervenientes, essencial para que tudo possa ir avançando, é a de que sejam assumidas as variáveis do negócio logo ao início (ou, pelo menos, as que conseguimos prever). Se estamos com o investidor, estamos com o investidor. Se somos cinco no negócio somos cinco, se temos o produto é porque temos o produto. E, se estamos apenas a ligar os compradores com os vendedores (ou seja, não representamos ninguém), estamos apenas a fazer isso mesmo.

Se nada disto é verdade (ou é escondido porque, afinal, não se sabe ainda se o negócio irá para a frente), temos os ingredientes certo para que a coisa corra mal e que não se faça negócio nenhum, com perdas para todos.  Já basta quando o investidor muda de ideias, não compra connosco e compra ao lado porque o activo era mais atractivo ou a coisa funcionou mais rapidamente. 

Dito isto, num mundo imobiliário perfeito, a regra nos negócios de milhões deveria ser a mesma que nos pauta o comportamento nos negócios de milhares: o importante é que tudo seja feito às claras e de forma transparente. Porque se assim não for e se ficarmos com o nosso nome (ou o da nossa agência) queimado no mercado, vamos continuar a ler as notícias que os fundos X,Y e Z compraram os activos W e K por centenas de milhões de euros e foram assessorados nos negócios por todos. Menos, naturalmente, por nós.

Francisco Mota Ferreira

Consultor Parcial Finance