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Opinião

 

O tal canal

27 de junho de 2022

Entre 1983 e 1984, a RTP exibiu um programa de humor que nos contava as desventuras do empresário Oliveira Casca e do seu canal de televisão. Num país ainda a viver, literalmente, a preto e branco, “O Tal Canal” veio expor, com muito humor, um Portugal que dava ainda os seus primeiros passos em democracia.

Lembrei-me destes tempos porque, à semelhança do empresário analfabeto e egocêntrico Oliveira Casca, retratado de forma magistral por Herman José, também no imobiliário há alguns que se acham mais espertos do que os outros.

Todos certamente se recordarão da celeuma que se criou à volta da decisão da Remax em mudar as regras de partilha de comissões de venda com as outras marcas, passando a fazer 50/50 entre Remax e 70/30 com as restantes (70% para quem tem o activo e 30% para quem traga o comprador).

Esta foi uma decisão que fez correr imensa tinta, com marcas e consultores fora do universo Remax a jurarem que nunca mais iriam fazer partilhas de negócio com a malta do balão. Passados que estão vários meses, tudo levaria a crer que o sector estava a ajustar-se e a reagir em conformidade: pessoas que trabalham na Remax dizem-me que aumentou a partilha entre a marca e pessoas fora deste universo afiançam-me que continuam a fazer partilhas 50/50 com alguns players Remax e até 70/30 quando têm o activo. E até aqui tudo bem. No fundo é o mercado a responder ao desafio da Remax e a agir de acordo com as regras definidas pelo player maioritário.

Entretanto, ainda não sei se é uma tendência ou se estes consultores descobriram a roda, mas não é o primeiro caso que me contam e que passa por um súbito interesse da Remax em perguntar nas partilhas fora da marca em que têm o comprador e não o activo (e como tal só recebem 30%), se o negócio pode ter assegurada a comissão para um canal que vem com eles, por norma, anda sempre na casa dos 1.5%.

Até agora, em todos os casos que me contaram, não se concretizou um negócio entre Remax e outras marcas em que se garantisse a suposta comissão de canal.

Sendo ou não verdade, argumenta-se o seguinte ponto: se a marca X tem o activo, pelas novas regras da Remax recebe 70% da comissão. Se esta comissão for 5%, significa que fica com 3.5% e a Remax com 1.5%. Ora, se a Remax pede 1.5% para assegurar um pagamento de um alegado canal, tal implicaria que a Remax teria 3% e a outra marca os mesmos 3.5% (mais 0.5% do que uma normal partilha 50/50 de 5%). Tudo, claro está à conta do proprietário do imóvel, que pagaria uma comissão de 6.5% ao invés dos 5% previamente acordados. Porque apareceu um hipotético canal num negócio onde a Remax estaria em inferioridade, numa desvantagem decorrente de uma regra criada pelos próprios. A ser mesmo assim, convenhamos, é de uma suprema lata. Oliveira Casca não faria certamente melhor.

Francisco Mota Ferreira

Trabalha com Fundos de Private Equity e Investidores e escreve semanalmente no Diário Imobiliário sobre o sector. Os seus artigos deram origem ao livro “O Mundo Imobiliário” (Editora Caleidoscópio).