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Opinião

 

O lado negro das agências

9 de novembro de 2020

Este é daqueles artigos que, infelizmente, muitos se vão rever porque já terão passado por situações semelhantes. Há uns tempos atrás pedi aos meus leitores que descrevessem situações menos agradáveis que, enquanto consultores, tivessem sofrido na pele por causa das agências com quem colaboravam. Tinha ideia que poderia apanhar um ou outro caso mais dramático, mas, confesso-vos, nunca pensei que o quadro fosse assim tão negro. Até porque é uma profissão que, por diferentes motivos, tem o mercado das contratações sempre em aberto e onde, por não haver um ordenado fixo a pagar, a rotatividade é, infelizmente, norma.

Para respeitar a confidencialidade de quem partilhou comigo o que já passou, não vou contar aqui episódios específicos, para não correr o risco de involuntariamente revelar a pessoa ou a agência em causa, mas há um dado que não deixo, à partida, de destacar: quem vem para esta profissão sabe que vive das comissões de vendas que faz, receita que partilha com a empresa em percentagens previamente definidas e aceites por ambas as partes, tendo por base premissas de direitos e deveres. Esse é um dado adquirido e assumido por todos.

Quando digo direitos e deveres falo, por exemplo, do compromisso que assumimos quando entramos nessa agência de só fazemos mediação imobiliária através dessa marca.  Ou do facto de a empresa nos cobrar metade da comissão de venda (há quem cobre mais, há quem cobre menos) para garantir uma série de serviços que prestam aos consultores: marketing, merchandising, divulgação em diversos portais, formação, leads, etc. etc. E quando assim é, trata-se de uma relação feliz entre as partes: o consultor não se importa de partilhar o seu sucesso comercial com a empresa que o acolhe porque sabe que, do lado da empresa, tem um parceiro que o ajuda na escada do sucesso.

O problema, como pude já constatar por vários relatos que me foram chegando, é que há empresas que são muito rápidas a exigir, mas muito lentas a honrar os seus compromissos ou até mesmo a fugir ao que foi previamente combinado. E esta fuga às responsabilidades começa logo no mais básico quando, por exemplo, não asseguram a divulgação correcta dos imóveis nos portais onde era suposto estarem ou quando não partilham os hipotéticos leads.

Outras há que obrigam o consultor a pagar formações que não estavam previstas no plano inicial ou a demorar na entrega do material de merchadising que era devido.  E, depois, há ainda as que, sendo céleres a receber a comissão devida pela venda, demoram eternidades a pagar ao consultor que, muitas vezes farto de esperar e de ser enganado, decide ir para outra empresa, perdendo de vez a comissão a que tinha direito - ou não a querendo perder, acaba por se enredar numa trama sem fim de advogados, tribunais e burocracias jurídicas.

Há, infelizmente, empresas que conseguem fazer o pleno do que vos descrevi. E, pelos relatos que fui tendo, estas são as mesmas que gostam de ter os consultores em rédea curta: obrigam-nos a fazer relatórios infindáveis, marcam reuniões por tudo e por nada ou obrigam-nos a estar no escritório em vez de irem para a rua a angariar imóveis.

Estas são também as empresas que acham que estão na vanguarda das últimas tendências de mercado, inundando os consultores de vídeos de coaching, de sugestões de livros sobre sucessos de vendas ou outras balelas como, por exemplo, as formações pagas arranjadas pelos amiguinhos do Director Comercial e tantos outros disparates do género, esquecendo-se do óbvio: os consultores só querem é que lhes sejam dadas condições para que possam fazer o seu trabalho em liberdade e, já agora, que os deixem escolher a melhor forma como podem angariar e vender, trazendo sucesso para si e para a empresa que representam.

Estas são também as empresas onde os consultores não se aguentam muito tempo, porque não estão para aturar os desvarios de quem está acima deles. Estas são, diria eu, as agências dinamite: nascem e morrem rapidamente. E, infelizmente, enquanto duram, enganam os que caíram no erro de os contactar, dando mau nome à profissão, ao mercado e aos clientes.

Haveria ainda muito mais para dizer e acredito que terei aqui margem para explorar algumas vertentes do que me foi sendo transmitido em próximos artigos. Mas, do que ouvi e li, tenho para mim que há sempre duas saídas possíveis para o consultor: informar-se bem junto de terceiros antes de aceitar o convite destas agências de agiotagem. Se tal não é possível, e depois do engano consumado, há sempre a possibilidade de apresentar uma queixa junto de quem de direito. A denúncia e a fiscalização podem não resolver grande coisa neste momento, mas gostava de acreditar que, num futuro próximo, vamos perceber, finalmente, que isto não é o faroeste e têm que haver regras claras que têm de ser cumpridas por todos.

Francisco Mota Ferreira

Consultor Parcial Finance