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É só fazer as contas

4 de julho de 2022

Quem lida com o imobiliário frequentemente está cansado de ver isto: marcas, agências ou consultores que publicitam e anunciam aos sete ventos que este mês/trimestre/semestre/ano tiverem níveis de faturação de cinco ou seis dígitos.

Claro está que, como também sabemos, o imobiliário faz-se muito através do marketing e da propaganda, do anunciar isto e aquilo e provocar um movimento que leve as pessoas a procurar a marca X ou o agente Y porque os níveis de faturação são brutais.

Eu não quero ser velho do Restelo e até desejo que a faturação anunciada corresponda, de facto, a lucros fantásticos e a um paraíso na terra para as marcas e para os consultores. Porém, o meu cepticismo diz-me que andamos todos a viajar na maionese e, pior do que isso, a fazer muito mal as contas.

Pela propaganda que somos bombardeados de forma recorrente, constatamos que o mind set das marcas está focado em duas grandes linhas: a faturação e a expansão (incluindo-se aqui não apenas a abertura de novas agências, mas também a contratação de mais consultores). Raros são os consultores ou as marcas que têm a coragem de falar do EBITDA (Earnings Before Interest, Taxes, Depreciation, and Amortization - Lucros antes de Juros, Impostos, Depreciação e Amortização) que, em bom português, é o pilim que trazemos para casa de cada vez que fazemos um negócio.

Correndo o risco de estar a ser injusto, tenho quase a certeza que a maioria das marcas, agências e consultores em Portugal não está nem aí quando chega a parte de fazer contas. Ficam deslumbrados com os milhares que recebem à cabeça e, depois, a realidade os atinge, percebem que os impostos, o dinheiro que investiram para a promoção do imóvel, o tempo gasto (porque todos nós devemos ter um valor/hora que devemos considerar), a gasolina e todo o manancial de despesas (tangíveis e intangíveis) que existem, deveriam fazer muitos corarem de vergonha e pensarem se não estão, genuinamente, a trabalhar para aquecer.

Eu sei que é muito fixe e bestial anunciar com grandes parangonas que sou o top 10 da minha rua ou o top 3 do meu prédio, mas acho que andamos todos aqui um pouco ao engano e com uma manifesta incapacidade de, literalmente, fazer contas à vida e perceber que os supostos milhares ou milhões de faturação não resistem a uma boa folha de Excel que demonstra o resultado líquido do esforço desenvolvido.

Tivemos, há uns anos, um primeiro-ministro que quando questionado sobre o valor do PIB (Produto Interno Bruto) começou a fazer cálculos de cabeça, terminado por reconhecer que para chegar a esse valor era preciso fazer as contas. Pelo que vou vendo, sinceramente, acho que anda muita gente neste meio com manifesta incapacidade de as fazer.

Francisco Mota Ferreira

Trabalha com Fundos de Private Equity e Investidores e escreve semanalmente no Diário Imobiliário sobre o sector. Os seus artigos deram origem ao livro “O Mundo Imobiliário” (Editora Caleidoscópio).