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E quando o T0 em Sintra deixar de ser o Palácio da Pena?

2 de abril de 2020

Habituaram-nos mal! Depois de, em 2009, termos assistido a um período de crise no imobiliário, em que se poderia ter aproveitado para aprender com os erros do passado, inundaram-nos de notícias de que Portugal era um destino de sonho para turistas, que o investimento em terras lusas era uma oportunidade e que tudo era bestial: crescimentos de dois dígitos, negócios de milhões, o sector da construção a (re)florescer e os brokers e as empresas do sector a falar de activos de seis dígitos como se estivessem a lidar da compra de um café. E todos, sem excepção, embarcámos nisto. E achámos que tudo era bom e que seria para sempre.

As cidades, com Lisboa e Porto à cabeça, apostaram no turismo, afastaram os moradores e cativaram o estrangeiro. Os AL e as licenças hoteleiras multiplicaram-se como cogumelos, os vistos gold e os NHR ajudaram a que um qualquer T0 fosse vendido como se o Palácio da Pena se tratasse. E mesmo as cidades do interior, onde 350k substituíam meio milhão para os vistos gold, não escaparam a esta febre: desde a estratégia do very tipical, passando por vender o sossego do nosso Portugalzinho em qualquer lugar do país, tudo serviu para criar a imagem que tudo se podia vender porque tudo estava à venda. E, no entanto, os avisos estavam aí: quem acompanha o sector há já algum tempo sabia que diversos estudos e artigos de opinião mostravam que esta bolha poderia rebentar a qualquer momento. E que, a acontecer, iria afectar não apenas o crédito à habitação, a estabilidade do mercado imobiliário, mas também as empresas de construção, o turismo e, em última análise, todos nós.

E rebentou. Ou vai rebentar. Não foi a bolha imobiliária que todos sabiam que estava a crescer ininterruptamente após a crise de 2009 e que algum dia havia de dar de si, mas sim uma verdadeira bomba-relógio que surgiu de forma imprevista e que está a afectar vários sectores da sociedade. Em Portugal e no mundo.

No que ao sector imobiliário diz respeito, acho, sinceramente, que se está a tentar reinventar a roda. Aposta-se na formação, acha-se que tudo poderá passar agora pelo digital e tenta-se que seja business as usual, anunciando as oportunidades, tentando criar leads e arranjar compradores para os imóveis. Mas o problema é que tudo isto mudou. Ou vai mudar.

Por muito digital que se faça – e aqui também faço o meu mea culpa – nada vai substituir o contacto face to face. A ligação humana que é criada entre consultores e clientes. Leiam as vezes que forem necessárias: NINGUÉM vai comprar uma casa sem a ver e NINGUÉM vai vender sem saber a real dimensão da crise que aí vem. E os investidores, esse pequeno/grande nicho, que todos ambicionamos ter do nosso lado, aguardam pelos tempos que ainda virão, porque sabem que o mercado vai ajustar-se. E, como todos sabemos, os investidores ADORAM comprar em saldo para revender em alta.

Aqui chegados, que conclusões podemos tirar? O mercado vai cair. As rendas vão baixar, o preço dos imóveis também e o mercado irá, necessariamente, adaptar-se aos novos tempos. É certamente importante pensar-se que, com isto, poder-se-á simplificar processos, digitalizar procedimentos, estar mais online e menos fisicamente com os restantes players do mercado. Mas, quando tudo isto passar, e podermos todos voltar a ter vida (e voltarmos às nossas vidas), vai-se voltar ao face to face. Porque a actividade é, na sua essência, comercial e não vive sem este toque humano nas relações profissionais. E os poucos que aprenderam com este vírus, serão os poucos que vão conseguir mudar procedimentos, rotinas e estratégias – pessoais e das empresas onde se inserem – mantendo, apesar de tudo, o foco no negócio e no cliente.

Acredito também que, no day after da crise, o consultor imobiliário terá um papel fundamental junto dos clientes para os levar a perceber que, afinal, o T0 Palácio da Pena que queriam vender em Janeiro por meio milhão é afinal o T0 em Sintra que genuinamente sempre foi. Os preços vão baixar? Vão. E as comissões? Também. Mas infelizmente, daqui a uns anos, quando voltar uma nova crise, podemos reler estas linhas e vamos chegar à conclusão que dificilmente o sector aprendeu alguma coisa. Será, naturalmente, business as usual.

Francisco Mota Ferreira

Consultor, Parcial Finance