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Opinião

 

Revitalização dos lares ilegais: custo ou investimento?

29 de janeiro de 2021

É incontornável o número de vezes que temos visto notícias relacionadas com a existência de mais de 600 lares ilegais em Portugal desde que começou a pandemia. A verdade é que este flagelo sempre existiu, mas por uma razão de rastreamento sanitário, agora, o poder político e a comunicação social dão-lhe mais atenção.

Importa começar por abordar o problema de raiz e perceber por que razão estas instituições à margem dos parâmetros de legalidade são uma maioria Portugal. Partindo de uma análise transversal, a predominância dos lares ilegais deve-se ao facto de as famílias não terem condições financeiras para colocar os mais velhos em residências com condições dignas de velhice. Desde logo, porque grande parte das instituições praticam preços incomportáveis para a maioria dos casos, ou porque do lado da procura não existe aderência possível a planos poupança-reforma consistentes ou a seguros que possibilitem a entrada em lares legais. Por outro lado, a gigantesca maioria dos idosos não está sequer abrangida por protocolos com ex-entidades patronais, e como tal a possibilidade de residirem numa instituição sénior fica reduzida a Misericórdias, IPSS’s ou lares privados que, devido à falta de fiscalização, não garantem as condições legais de habitabilidade.

A par destas razões existem outras de elementar relevância como o cruzamento do envelhecimento demográfico, sobretudo no interior, com a menor oferta residencial nestas regiões, que por sua vez têm instituições mais dispersas e isoladas, o que dificulta o conhecimento por parte das autoridades das condições em que os idosos vivem, e colocam as famílias numa situação de pouca ou nenhuma escolha na hora de colocarem os idosos num lar. Por outro lado, note-se que nas grandes áreas metropolitanas também existe alguma saturação destas situações associadas a alguma ganância de quem cria as “residências”, bem como à dificuldade em colocar o idoso numa instituição, devido à elevada procura.

Com base na pandemia da Covid-19, os partidos políticos e algumas ordens profissionais relacionadas com o setor da saúde, rapidamente, e bem, identificaram este fenómeno com base em propostas de combate à situação sanitária, por exemplo, no âmbito do plano de vacinação. Contudo, devemos ir mais longe, muito mais.

A verdade é que a par do paradigma virológico, existe uma outra pandemia, esquecida, que é o problema da demência senil que afeta a maioria dos idosos portugueses, em maior ou menor grau. Este tipo de complicação neurológica tem tendência a aumentar em lugares com pouco conforto habitacional onde os mais velhos não estimulados cognitivamente, não têm outras atividades que não sejam estar acamados, sentados em frente a uma televisão ou a tomarem as respetivas refeições, precisamente como acontece na maioria dos lares ilegais, onde o cenário é agravado pelas infraestruturas e equipamentos precários, bem como pelo staff pouco qualificado.

Ainda assim, a solução não pode nem deve ser o encerramento destas instituições e posterior realojamento dos idosos em novos lares a construir, ou noutros já existentes. Esta linha de ação, além de ser economicamente questionável, irá contribuir para uma sobrelotação dos lares em geral. O caminho correto passa, pois, pela revitalização dos lares ilegais.

Esta posição passa por 3 pilares: a correção da situação ilegal em que o lar se encontra; o reforço de recursos humanos sejam eles psicólogos, enfermeiros, assistentes sociais ou auxiliares; e por fim, a reconfiguração dos equipamentos, e sobretudo das infraestruturas.

Neste último ponto, o Estado Português deve proceder à celebração de contratos com os empreiteiros de modo a assegurar o reforço das condições de isolamento das residências, a melhoria da canalização dos edifícios, a implementação de sistemas de aquecimento central, e por fim, a expansão das alas de enfermaria.

Em suma, a garantia de condições onde os idosos possam envelhecer com o merecido descanso, lazer e estímulo passa em primeiro lugar por uma habitação digna, onde são assegurados os cuidados mínimos no seu quotidiano. Sabemos que o setor do healthcare está em expansão e consiste numa boa fonte de receitas (em proporção com aqueles que podem pagar), mas importa não esquecer que é possível fazer a radiografia dos princípios de um país pela forma como trata os seus idosos. Este país tem de ser para velhos!  

Vasco Garcia

Estudante da Faculdade de Direito de Lisboa

*Texto escrito com novo Acordo Ortográfico