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Entrevistas

 

Empresários brasileiros escolhem Portugal para viver

30 de setembro de 2021

Advogada desde 1991, Docente do Ensino Superior desde 2000 e especialista em Direito Privado pela Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, Denise Souza tem actuado na Consultoria Jurídica Contratual Imobiliária no Brasil e em Portugal.  

Em entrevista, a especialista revela que a procura por Portugal é fácil de entender se considerarmos que o nosso país é porta de acesso à União Europeia e que tal travessia está sujeita às classes de vistos, é possível entender que os enquadramentos propostos pelas leis de fluxo imigratório, de partida, já estabeleçam, em boa medida, esse contingenciamento.

O Banco de Portugal (BdP), o Banco Central de Portugal, revela que foi realizado um aporte, com origem no Brasil, de 33,39 milhões de euros; cerca de 210 milhões de reais, apenas no primeiro trimestre de 2021. Vê-se, ainda, que o investimento brasileiro está, historicamente, ligado ao mercado imobiliário. Ao todo, mais de mil milionários brasileiros investiram 5,2 bilhões de reais (784 milhões de euros) nos vistos gold de 2012 até agora. Portugal está, assim, claramente, a mirar compradores brasileiros. Na sua opinião, o que alavanca esta procura?

São diversos os factores de alavancagem, e combinados para cada grupo de interesses. Tais elementos ora podem ser meramente subjectivos (qualidade de vida lato sensu), ora associados a temas imediatamente objectivos (relação custom/benefit).

Não importa quais sejam as métricas dos dados estatísticos largamente disponibilizados, dia a dia, pelos meios de comunicação; o que salta aos olhos é que os números são entusiasmantes. Porém, o que é, de facto, importante, decorre de uma lógica bastante singela: estão os compradores atrás de identificar e realizar a perfeita simetria entre as razões acima apontadas, ou seja, que nas vantagens obtidas em razão do preço/investimento aplicado esteja englobada a melhora de suas condições existenciais: trabalho, negócio, lazer, segurança, saúde e quantas mais possam desejar.

Tem um enorme conhecimento do mercado empresarial brasileiro. Na sua opinião, qual o tipo de empresário brasileiro que tem intenções de mudar para Portugal?

Falar sobre o empresariado brasileiro é dizer de um leque imenso de hipóteses classificadas em segmentos especiais. A considerar que Portugal é porta de acesso à União Europeia e que tal travessia está sujeita às classes de vistos, é possível entender que os enquadramentos propostos pelas leis de fluxo imigratório, de partida, já estabeleçam, em boa medida, esse contingenciamento.

Há, entretanto, no mínimo, duas situações interessantes: a do empresário que quer levar o seu negócio para o exterior, ampliando, matematicamente, o seu overall profit, e a daquele que, porque já tem negócio bastante lucrativo no Brasil - e sem desejar expandir a companhia - sai em busca de uma espécie de potenciação dos seus recursos anímicos: morar muitíssimo bem e absorver grandes doses de cultura e história. Nos dois casos, que não se excluem mutuamente, as somas sobrepostas não são nada tímidas, como bem mencionado por você na questão anterior, e isto se dá, é evidente, por força da estabilidade económica decorrente da potente e estável moeda (ou vice-versa).

Não seria razoável, entretanto, justificar referidos números gerais somente nesses dois exemplos. Ao observarmos a quantidade de imobiliárias que actuam sob o modelo da Franquia, em comparação às que desenvolveram seu próprio método de actuação, é admissível conceber que o produto ‘imóvel’ é reunido, já que estamos no campo do comércio, em conjuntos que, destinados para venda em atacado ou em retalho, respectivamente, sejam emoldurados consoante categorias de preços estabelecidas a partir da localização mais ou menos privilegiada. E isto aponta, também, para um grande volume de vendas dos bens menos caros.

A Revista Forbes (forbes.com.br), em 27 de Agosto de 2021, publicou um artigo que aponta quais eram os ’40 novos bilionários brasileiros’. Neste texto, revela que ‘os incentivos financeiros para fazer frente à crise aqueceram o mercado de capitais’ e que o facto de terem sido ‘realizados 27 IPOs e 13 follow-ons na B3’ (metodologias de captação de recursos) beneficiou o crescimento do ‘clube dos superricos’.

Revelo estes dados não para colocar luz sobre os imodestos números; mas, sim, para clarear uma outra região da matéria que, de forma subliminar, fala de algo que julgo assustador, porém fruto da mais crua realidade: a pandemia, no Brasil, se, por um lado, lançou à pobreza extrema milhões de cidadãos, por outro lado, elevou à riqueza uma extensa série de empresários posicionados in the right place, on time.

Mudar uma residência de um país para o outro representa, na maior parte dos casos, alterar a sede dos negócios ou geri-los à distância. Na sua perspectiva, com base no conhecimento do ordenamento jurídico/fiscal dos dois países, que informações daria a um empresário brasileiro que pensa nesta hipótese?

Excelente questão! Com diria o talhante: ‘vamos por partes’. Fora a brincadeira, não há dúvidas que um bom investimento sempre estará alicerçado na consultoria feita a um profissional de expertise. Não é à toa que as empresas de mediação imobiliária investem pesadamente em formações e ferramentas. Todavia, a confiabilidade intrínseca a qualquer profissional – quero crer - não resta demonstrar tão só na quantidade de certificações e prémios acumuladas; mas, sobretudo e também, está na estatura técnica inerente ao conhecimento efectivamente adquirido e socializado.

Seja o investimento de pequeno ou avultado valor, e se a referida mudança envolve, necessariamente, o direito empresarial e as respectivas tributações, em termos de admissibilidade legal e a título de exemplo, as primeiras considerações a serem feitas são: (a) trata-se de uma filial de empresa brasileira em Portugal? (b) trata-se de uma nova empresa cujo(s) dono(s) é(são) brasileiro(s)? (c) trata-se da aquisição de quotas sociais/ações de uma empresa portuguesa por uma pessoa física ou jurídica brasileira? (d) estar-se-á unicamente no campo das pessoas jurídicas de direito privado ou é possível estender esse alcance às de direito público ou subsidiárias do público?   

Como se vê, não há um ‘elixir paregórico’ em que caibam todos os negócios jurídicos tipificáveis. Estes são variados e cada caso necessita de ser avaliado segundo as suas particularidades.

Contudo, em termos mínimos, podemos mencionar os seguintes modalidades tributárias: o IVA (variável, conforme o segmento); a TSU (paga à Segurança Social, per capita, sobre o salário do trabalhador contratado); a Derrama Municipal (incidente sobre o lucro tributável, com base no exercício fiscal anterior, e cuja taxação depende do volume de negócios) e etc.  

Por último, importa salientar que, por si sós, os números recorrentemente apontados pelos especialistas em investimentos estrangeiros traduzem uma realidade inequívoca: a de que Portugal reúne um generoso rol de condições a que qualquer investimento bem estruturado resulte positivo, seja este de grande ou médio valor.

Portugal está inserido na União Europeia, um mercado de 800 milhões de consumidores, com livre circulação de mercadorias.  Esta condição pode ser tentadora, um estímulo para empresários habituados a mercados de grande escala?

Tenho muito gosto em pensar a partir de escalas; elas definem a razão entre duas medidas lineares: a do desenho feito e a da realidade desenhada.

Para dialogar com a questão aqui proposta, gostaria de mencionar o papel dos smart contracts, uma vez que esta, já nem tão nova forma de abordar os aspectos jurídicos dos negócios aperfeiçoados em grande escala foi pensada para facilitar, e muito, as vidas dos consumidores e empresários.

O contrato tradicional, celebrado em duas vias de igual teor, assinado pelas partes e, eventualmente, testemunhas – e falo como contratualista – tem a sua importância primordial plenamente preservada. Para os contratos bilaterais que envolvem grandes cifras monetárias, a redação criteriosa dos direitos e obrigações, em um único instrumento especialíssimo, ainda é, e continuará a ser, procurado pelas grandes empresas.

Por sua vez, os smart contracts valem-se da lógica algorítmica: as cláusulas cuja redação independam de formulação excepcional são subsumidas nas negociaçõs retalhistas que ocorram no ambiente informal do ciberespaço e em larguíssima escala, como nos casos dos serviços financeiros e aéreos.

Então, sim, esta condição pode ser estimulante. E tal estímulo se deve ao facto de que aquilo que parece, de início, assombroso em virtude do tamanho, muitas vezes possa se tornar menos ameaçador se partido em porções menores e de controle automático - o que reduziria, inclusive, alguns custos da actividade.

Volto ao início desta resposta. Portanto, a realidade já enquadrada no referido desenho feito com base nos protocolos de smart contracts (registrados em blockchain/livro-razão) faz com que a escala do real seja perfeitamente adaptada a ele por meio de abreviações e comandos processuais internos à quaisquer sistemas de negócios que destes mecanismos utilizem.

Muito embora as tecnologias disruptivas ainda estejam a mostrar as suas habilidades, esta parece ser um caminho sem volta, tanto mais àqueles que, no ambiente empresarial, tenham actuado em mercados nacionais ou regionais (blocos económicos), formando, assim, um histórico de experiências que podem e devem ser partilhadas com empresas menores e em expansão, até mesmo no ramo imobiliário. 

Como professora universitária no Brasil e estudante em Portugal, e dentro de um contexto familiar de decisão voltada para a percepção da importância que os pais dão à educação dos seus filhos, qual a sua opinião sobre a opção de formação superior numa universidade em Portugal?

Entre as muitas reconhecidas vantagens de morar em Portugal, esta foi a que mais me animou: a educacional. Não sem razão, portanto, deu-se o meu ingresso na Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, à procura de aprimoramento.

A circunstância de as Universidade portuguesas passarem a seguir, desde 2006, a Declaração de Bolonha conferiu a elas o status de equiparadas às melhores da Europa. A significação que atribuo à palavra ‘status’, neste contexto, é a de altitude. Interessava-me conhecer as reentrâncias dos variados cursos oferecidos.

Vejo o que vivi como análogo a uma viagem aérea. Já no lounge do aeroporto, o frio na barriga pela expectativa do novo. Durante o embarque, a atenção voltada a quem seriam os outros passageiros, a tripulação e o volume da aeronave. Na decolagem, do alto, ver os sucessivos relevos se apresentarem em distintas dimensões, extensões, estruturas e substâncias. Durante o voo, sentir os solavancos oriundos das turbulências até o momento do deslizar tranquilo pelo ar. No pouso, a satisfação de ter chegado bem disposta e revigorada ao destino.

A Universidade é o avião. Não posso dizer, entretanto, das que não conheci. Mas, se as ideias da globalização, da transversalidade e da intercambialidade entre disciplinas têm por fim uniformizar os modos de aquisição dos conhecimentos, então, devo ter confiança de que a grande maioria dos centros de estudos portugueses possuam, se não igual, pelo menos semelhante alta qualidade pedagógica.

A minha experiência foi no pós. Se os professores do pós são os mesmos da graduação, e se quem pode o mais pode o menos, então, obter um diploma de ensino superior numa universidade portuguesa, nos dias de hoje, creio, deve garantir boa colocação profissional, em qualquer lugar do mundo, a quem tenha sido permanente e verdadeiramente dedicado a estudar.

Denise Souza - Advogada (desde 1991). Docente do Ensino Superior (desde 2000). Especialista em Direito Privado pela Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa e Bolseira FCT/PT (2017/2018). Membro CEDIS/PT – Centro de I & D sobre Direito e Sociedade (2017). Aluna Especial no Doutoramento em Filosofia Política pela Universidade Federal de São Carlos/SP (2016). Mestre em Direitos Difusos/Coletivos/Individuais Homogêneos e Especialista em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1999/2002). Desde 2012, tem atuado na Consultoria Jurídica Contratual Imobiliária no Brasil e em Portugal. Estudiosa das Ciências Humanas e Sociais, também orienta o seu olhar para a as Artes Literária, Musical e da Confeitaria.

Trabalho de João Abelha para o Diário Imobiliário

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