CONSTRUÍMOS
NOTÍCIA
Entrevistas

 

A arquitectura ficou sozinha no seu castelo

11 de fevereiro de 2015

Um dos arquitectos mais conhecidos e conceituados em Portugal também está a sofrer os efeitos da crise. Gonçalo Byrne que já teve 40 colaboradores no seu atelier tem agora apenas 10 e em entrevista ao Diário Imobiliário, assegura que não sabe o que irá acontecer até ao final do ano. Chegou a facturar três milhões de euros anuais em 2008 mas a partir de 2009 entrou em queda e nos últimos anos apresenta mesmo saldos negativos. Em tempos áureos chegou a ter cerca de 10 a 12 projectos por ano, agora a média é de dois a três e coisas pequenas. Nem mesmo a reabilitação é na sua opinião a salvação para a arquitectura, nem para o imobiliário.

Como vê o estado da arquitectura actual?

Estamos a viver um momento de muitas incertezas mas a visão de uma arquitectura espectacular tem de mudar. Não quer dizer que a arquitectura exótica, de espectáculo, de competição não vá continuar porque é o desejo de quase todos os arquitectos. Faz parte da nossa cultura mas esse tipo de arquitectura será cada vez mais para nichos. Contudo, há que estar receptivo a outros modelos. Há muito para reconsiderar na arquitectura, até no ensino.

O que deve mudar?

A primeira coisa que vai ter de se perder é a autonomia disciplinar da prática da arquitectura. O arquitecto vai ter de se mentalizar que não está sozinho na cidade, no edifício, na sociedade. Tem de ter uma atitude mais aberta e dialogante. Chegámos ao momento da saturação do arquitecto auto-centrado, ao edifício auto-referenciado, modelo de arquitectura voltado para si e para as suas obras. Não digo que este modelo vá acabar mas estão a surgir outros também estimulantes da própria discussão da disciplina.

A arquitectura como prática afastou-se demasiado da vida das cidades, quase rejeitando-a porque considerava que era um problema de gestão de grandes interesses e a arquitectura era o último pólo de resistência. Acabou por ficar sozinha no seu castelo. Isto é um problema histórico, quando a arquitectura fraccionou-se do urbanismo. A arquitectura vai ter de aprender a dialogar mais, tem de se aperceber que existem outros temas onde tem de intervir, até na política da cidade. Outra área que tem estado ausente nos cursos de arquitectura é a gestão dos recursos. A eficiência energética deve também entrar no curso de arquitectura e estes são apenas alguns exemplos que devem fazer parte da formação e da especialidade da profissão. Também a reabilitação foi sempre considerada um parente pobre da arquitectura. A questão do espaço público é outro tema que raramente se fala em arquitectura.

Considera a que reabilitação pode ser uma saída para a arquitectura e o imobiliário?

Estou pessimista até para a reabilitação. A migração para as cidades está estabilizada e a emigração abrandou. A ideia da reabilitação dos centros era evitar que a população saísse. Mas agora quando se faz a reabilitação é para a população que já lá não está. A reabilitação que está a actuar é para centros desertificados e são operações imobiliárias que serão feitas para nichos. Turismo Low Cost e pessoas de passagem não fazem crescer e desenvolver a cidade. Também não existe uma certeza no retorno ao mercado de arrendamento.

Como deve o arquitecto encarar a nova situação profissional?

Os arquitectos têm muita culpa pelo estado em que estão as coisas. Desde os anos 60, 70 que a arquitectura rejeitou a relação com as técnicas da construção e o afastamento de outras áreas do sistema construtivo. Mas também tem a ver com questões corporativas. Provavelmente tal como os engenheiros, os urbanistas, os historiadores não estão sós, os arquitectos também não estão e é preciso retomar o diálogo.

Para muitos arquitectos darem a volta vai ser difícil, perante a situação actual. Muitos estão a aproveitar para fazerem reciclagem em termos de formação. Mas a parte mais difícil é que agora não há portas de abertura para nada, elas existem mas neste momento estão fechadas. Felizmente existem alguns ateliers que estão a entrar na reabilitação e estão a levar a construção com eles.

Acredita que o estatuto de arquitecto 'estrela' prejudicou a visão da arquitectura?

Siza por exemplo ajudou a tornar a arquitectura mediática e até foi positivo mas depois tem o lado negativo, o reverso da medalha. O discurso de estar a falar de arquitectura resvalou para a personagem quase como se tratasse de uma cotação bolsista dos autores e que estavam ao serviço de interesses. Esse lado fez uma coisa perversa porque a arquitectura ficou ao serviço de um discurso de interesses. Contudo, mais de 80 a 90% da cidade está feita por outros ateliers de arquitectura.

Quanto à internacionalização, tem sido uma aposta no seu trabalho?

Relativamente à internacionalização, já fiz alguns projectos. Em Itália já construí três, dois em construção e ainda dois parados. Tentei duas vezes em São Paulo no Brasil mas é muito difícil, a começar logo pelo reconhecimento do diploma.

Angola também é complicado e Moçambique já é mais interessante e já tenho lá projectos. Mas é em Itália que gosto mais de trabalhar.

Mais do que internacionalizar, o importante é que o projecto consiga atingir um objectivo e criar condições de vida estimulantes. A arquitectura é uma actividade que resulta num mundo de diálogo e se for bem-sucedida é muito enriquecedora.

Quais os projectos que mais lhe deu prazer realizar?

Gostei de todos mas claro que existem alguns pela sua especificidade e impacto foram importantes. A Torre do Porto de Lisboa, o Museu Machado de Castro, trabalhar num edifício com mais de dois mil anos, como no edifício do Museu, é um desafio. O Teatro Tália, o Banco de Portugal, foram alguns que constituíram projectos emblemáticos no meu percurso.