CONSTRUÍMOS
NOTÍCIA
Actualidade

 

Território e Poder. O uso, as políticas e o ordenamento

28 de maio de 2017

É o título do mais recente livro do arquitecto paisagista e engenheiro agrónomo, Leonel Fadigas, que irá lançar no próximo dia 6 de Junho, na Livraria Bertrand do Picoas Plaza. 

Professor na Faculdade de Arquitectura da Universidade de Lisboa, o autor revela ao Diário Imobiliário as linhas gerais desta publicação, editada pela Edições Sílabo, dirigida a arquitectos, urbanistas, geógrafos, economistas, políticos e, sobretudo, cidadãos interessados em participar na feitura de um território mais coeso, mais sustentável, onde a economia seja mais humana e mais social.

"O desajustamento entre o ordenamento formal e o modo como a expansão urbana se tem processado nas áreas metropolitanas é também visível nas áreas rurais que a infraestruturação viária tornou acessíveis a outros usos, que não os agrícolas e florestais. O que constitui um desafio à credibilidade do ordenamento como instrumento regulador do uso e da transformação de uso do território e à racionalidade e coerência das políticas públicas que o orientam e de que decorre.

Razão para as relações entre o território e o poder que o define sejam tema de investigação e reflexão", salienta Leonel Fadigas.

O especialista assegura que o ponto de partida para a realização deste livro partiu pela necessidade de explicar a importância do território.

"O território é, pela sua natureza de produto humano, a expressão dos poderes que o definem e organiza e que, em conjunto com as condições do meio dão forma e sentido à sua apropriação e uso. No quadro do complexo sistema de relações entre os homens e o meio onde vivem, o território é tanto suporte de vida e de actividades económicas como, a cada momento, a consequência e o registo dos modos de organização social, das relações de poder, dos níveis de desenvolvimento económico e das tecnologias disponíveis. É o poder que permite formatar e delimitar e alargar os territórios, estruturando-os e adaptando-os às necessidades das comunidades que os habitam ou que a eles chegam por descoberta, invasão ou conquista. A sua apropriação e uso é condição e parte do processo de estruturação que os configura, organiza e reforça como espaço geográfico dominado e como instrumento de afirmação e reforço do poder".

O professor assegura que o território não resulta, assim, apenas de processos decorrentes de regulação estabelecida e imposta; "para ela concorrem também a progressiva apropriação do território por quem nele vive e, de certa forma, exerce sobre ele um certo tipo de poder, e o reflexo dessa apropriação e do uso dos recursos disponíveis na organização social e na formatação do território como realidade física e ambiental".

O livro organiza-se em duas partes: a primeira, tratando da posse, uso e organização do território e da origem matricial das estruturas que dão forma aos diferentes modos como o território se foi organizando em diferentes tempos e circunstâncias sociais e políticas; a segunda parte, dedicada à apresentação de casos exemplares de políticas de incidência territorial e das suas consequências.  

Deixamos, entretanto, algumas notas do autor: 

A ocupação humana e o exercício do poder

A história da ocupação humana dos territórios não é linear, nem acompanha, mecanicamente, os ciclos da evolução da humanidade e da sua adaptação aos diferentes habitats onde se foi consolidando a sua organização em comunidades representativas, cada uma delas, de um certo modo de adaptação às condições do meio. O estabelecimento de cada uma dessas comunidades num determinado local aconteceu sempre no final de uma peregrinação, como se ali tivesse terminado a dispersão humana pela variedade de habitats disponíveis. As condições físicas e ambientais - relevo, disponibilidade de água, fertilidade dos solos, temperatura, precipitação - condicionaram sempre a ocupação do território e o modo de distribuição das populações que, em comunidades que, à medida que dispunham de abrigo e de segurança, se tornaram sedentárias. Com o que passou, cada uma delas, a definir um território, vital para a sua sobrevivência, que passou a controlar e a defender; exercendo, assim, um poder que era a expressão da sua força e da sua capacidade de usar e transformar o meio onde se instalaram.

No entanto, se é importante o papel das cidades na estruturação do território, convém ter em atenção que o que mais determinou a intervenção mais influente nesse sentido foi a apropriação da terra para uso agrícola e florestal e para a criação de gado. Numa primeira fase de modo natural e inorgânico, em função das necessidades de abastecimento e subsistência; numa outra mais avançada, a partir do parcelamento mais ou menos organizado que definiu modos de exploração, de acordo com a organização social e a hierarquia de poder que expressava e que estabelecia uma separação clara entre o que era privado e o que era público; ao mesmo tempo que efetivava e confirmava o conceito de propriedade privada. Ao longo do tempo, a terra representou sempre, para além de uma condição para a produção de alimentos e de bens transformáveis, um papel decisivo na afirmação e no exercício do poder por parte de quem a detinha. A condição de proprietário, por herança, por aquisição ou por prémio de conquista, significou, desde cedo, um estatuto social elevado, sempre associado ao exercício do poder e à sua legitimação. A diferenciação da importância social de quem as possuía, correspondia, na maior parte dos casos, ao diferente dimensionamento das propriedades, fazendo com que o valor social da sua posse fosse, muitas vezes, superior ao valor económico resultante das produções que propiciavam.

A estruturação do território, como processo organizador, está, em cada momento, associada a esta estreita relação entre poder, apropriação e uso da propriedade, rústica e urbana, por serem elas que, embora de forma diversa, o suporte do sistema de valores que a regem e determinam. Nos espaços que o poder definiu como territórios, em diferentes momentos históricos e ciclos civilizacionais e em contextos políticos diversos − em momentos de conflito e em momentos de acalmia − permanecem como referências estruturais as linhas de continuidade que, ainda hoje, muitos séculos depois, são percetíveis e presentes. Esta continuidade, representada pelo cadastro, pela rede viária histórica, pela localização dos assentamentos urbanos, tenham ou não evoluído para aglomerados de maior dimensão e importância, pela modelação topográfica do relevo original, e pela construção de infraestruturas e edifícios ainda hoje presentes, ainda que sem a sua funcionalidade original, é marca de civilizacional onde se molda a identidade territorial.

As cidades e os territórios contemporâneos

Os territórios contemporâneos, resultado e consequência da evolução tecnológico que acompanha a evolução social e económica, são, por isso, também o resultado e a expressão da história física, social e política de quem os habitou e habita.

A desregulação do processo de urbanização fez com tivessem bolsas de desequilibrada organização urbana, nuns casos suportadas por instrumentos urbanístico parcelares e, noutros, em resultado de urbanizações e de construções avulsas ilegais que a administração do território, por inércia e desajustamento com a realidade social e económica, foi incapaz de controlar. O que teve como consequência fenómenos de marginalização urbana e social que reforçaram os desequilíbrios da organização territorial. Como acontece, aliás, na maior parte das áreas metropolitanas onde os processos de infraestruturação e de expansão urbana conflituam com os usos agrícolas e florestais concorrendo para o seu desaparecimento, e com isso originado o aparecimento de terrenos expectantes onde o solo se degrada e os riscos ambientais se acentuam.

Estas áreas sem uso aparente, que aguardam até eles chegue a urbanização que acontece nas suas imediações, podem acabar por se transformar, também elas, em áreas urbanizadas se, e quando, as dinâmicas económicas e demográficas assim o determinarem. Quando tal não acontece, permanecem abandonadas e sujeitas a fatores de risco ambiental que ameaçam sua estabilidade geomorfológica, contribuindo, desse modo, para a degradação territorial por efeito da erosão, alteração dos percursos superficiais e subterrâneos da água, a redução da biodiversidade e perda de qualidade paisagística. Com o que se acentua, globalmente, a desqualificação dos espaços urbanos destas áreas periurbanas.

Nestes casos, a estruturação territorial fragiliza-se, não assegurando nem a coesão territorial nem o reforço das condições ambientais que propiciam os equilíbrios ecológicos funcionais com que se constrói a qualidade urbana. E num tempo em que as questões da sobrevivência alimentar das grandes áreas urbanas, até por efeito das alterações climáticas em curso, estes terrenos gora abandonados representam um potencial de uso para novas formas de agricultura, urbana e periurbana, que importa ter em consideração nos processos de ordenamento do território. De forma coerente e ajustada às realidades e necessidades da qualificação urbana e da estabilização ambiental.